Friday, February 18, 2005

Tenho medo, muito medo!

Tenho medo que um lapso de memória me atraiçoe o próximo dia 20 de Fevereiro. Tenho medo de acordar sem a capacidade de olhar para trás, sem a aptidão para, na minha (necessária) introspecção, ir lá bem ao passado retirar as bases e as ilações para a decisão do meu futuro. Tenho medo que a desatenção me tome em demasia a vigilância, porque “a experiência é o produto de um equilíbrio entre vigilância e desatenção” (Daniel Goleman). Tenho medo que as mentiras essenciais e as verdades manipuladas me diminuam a percepção a um ponto tal que me façam entrar, sem me aperceber, no mundo da ilusão a que muitos (os mesmos) me tentam. É que prefiro viver com uma ansiedade que seja minha e me faça sentir vivo do que com a cegueira colectiva prometida pelos outros (os mesmos). Tenho pouco medo de ser cego e muito de não querer ver - a cegueira psicológica é a que mais castra! Tenho medo de mim e medo dos outros, por mim e pelos outros. Medo das minhas e das suas memórias curtas, medo de que eu e eles entremos em alucinações colectivas, medo de que a partilha se faça à volta de uma ilusão alegre – patetice – quando a percepção da realidade é quem alicerça futuros. Tenho medo da nossa comunicação social e daqueles que (mais uma vez os mesmos) vão ao seu colo. Tenho medo, muito medo, dos que querem fazer (mais uma vez) do Estado a Santa Casa da Misericórdia, esquecendo-se de que num mundo de miseráveis não restará ninguém para ser misericordioso. Tenho medo de me quedar em diálogos (somente em diálogos) intermináveis quando o mundo ausente de conversas amenas avança a passos incomensuráveis. Tenho medo deste Portugal de cachecol e bandeirinha terceiro-mundista na mão. Tenho medo dos gritos ensaiados, dos slogans forçados e de toda a extroversão primária, rude, e animalesca. Tenho medo muito medo deste carnaval eleitoral. Tenho medo deste leque tão variado e rico de opções... rudimentares! Tenho medo que o esquecimento ataque a minha e as outras pessoas no dia 20 de Fevereiro, mas, se tal acontecer, e se a comunicação social nos continuar a boicotar a premissa básica para a sobrevivência da democracia – “informação suficiente” (Aldous Huxley) e exacta (Kid A) – espero, pelo menos, lembrar-me que a pureza se veste de Branco. Tenho medo mas essa será a dica que atentará o meu cérebro quando chegar o momento em que, firme, deveria fazer uma cruz.
Tenho medo muito medo e que este meu medo me seja perdoado ”porque metade de mim é amor e a outra metade...também!” (Osvaldo Montenegro).

3 Bocas:

Anonymous Anonymous Disse...

Dia 20 marcará a viragem, para a outra margem...
Alertem as consciências...e façamos um intervalo até ....ao ano.

11:08 AM  
Blogger Kid A Disse...

Um novo medo me acomete, agora que falas em margem. Margem... Margem, rio. Rio... Rio, água. Água... Água, peixe. Peixe?!?! Tenho medo, muito medo, dos que apenas distribuem peixe quando o que deveriam fazer é ensinar a pescar. Mais do que isso... Ensinar a construir as canas e a pescar. É que a conjuntura económica em que vivemos não nos permite a distribuição desregrada de peixe.
E sim, concordo que para o ano temos mais do mesmo.

11:50 AM  
Anonymous Anonymous Disse...

Ora aqui está um texto muito bem conseguido, que dá vontade de ler e se fica com pena de ter acabado. Muitos Parabéns!
Ontem fiquei um pouco desapontada quando comecei a ler o texto do debate e me deparei com um Sócrates que nada tem a ver com o Grande Sócrates. Já me imaginava a ler algo interessante sobre o Grande Filósofo quando me deparei com o resumo "daquela coisa" que foi transmitida na Tv. Mas em contrapartida hoje estiveste muito bem em nos presentear com este maravilhoso texto.
Continua assim sério ou assim a brincar!
Parabéns!

12:52 PM  

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