Tenho medo, muito medo!
Tenho medo que um lapso de memória me atraiçoe o próximo dia 20 de Fevereiro. Tenho medo de acordar sem a capacidade de olhar para trás, sem a aptidão para, na minha (necessária) introspecção, ir lá bem ao passado retirar as bases e as ilações para a decisão do meu futuro. Tenho medo que a desatenção me tome em demasia a vigilância, porque “a experiência é o produto de um equilíbrio entre vigilância e desatenção” (Daniel Goleman). Tenho medo que as mentiras essenciais e as verdades manipuladas me diminuam a percepção a um ponto tal que me façam entrar, sem me aperceber, no mundo da ilusão a que muitos (os mesmos) me tentam. É que prefiro viver com uma ansiedade que seja minha e me faça sentir vivo do que com a cegueira colectiva prometida pelos outros (os mesmos). Tenho pouco medo de ser cego e muito de não querer ver - a cegueira psicológica é a que mais castra! Tenho medo de mim e medo dos outros, por mim e pelos outros. Medo das minhas e das suas memórias curtas, medo de que eu e eles entremos em alucinações colectivas, medo de que a partilha se faça à volta de uma ilusão alegre – patetice – quando a percepção da realidade é quem alicerça futuros. Tenho medo da nossa comunicação social e daqueles que (mais uma vez os mesmos) vão ao seu colo. Tenho medo, muito medo, dos que querem fazer (mais uma vez) do Estado a Santa Casa da Misericórdia, esquecendo-se de que num mundo de miseráveis não restará ninguém para ser misericordioso. Tenho medo de me quedar em diálogos (somente em diálogos) intermináveis quando o mundo ausente de conversas amenas avança a passos incomensuráveis. Tenho medo deste Portugal de cachecol e bandeirinha terceiro-mundista na mão. Tenho medo dos gritos ensaiados, dos slogans forçados e de toda a extroversão primária, rude, e animalesca. Tenho medo muito medo deste carnaval eleitoral. Tenho medo deste leque tão variado e rico de opções... rudimentares! Tenho medo que o esquecimento ataque a minha e as outras pessoas no dia 20 de Fevereiro, mas, se tal acontecer, e se a comunicação social nos continuar a boicotar a premissa básica para a sobrevivência da democracia – “informação suficiente” (Aldous Huxley) e exacta (Kid A) – espero, pelo menos, lembrar-me que a pureza se veste de Branco. Tenho medo mas essa será a dica que atentará o meu cérebro quando chegar o momento em que, firme, deveria fazer uma cruz.
Tenho medo muito medo e que este meu medo me seja perdoado ”porque metade de mim é amor e a outra metade...também!” (Osvaldo Montenegro).
3 Bocas:
Dia 20 marcará a viragem, para a outra margem...
Alertem as consciências...e façamos um intervalo até ....ao ano.
Um novo medo me acomete, agora que falas em margem. Margem... Margem, rio. Rio... Rio, água. Água... Água, peixe. Peixe?!?! Tenho medo, muito medo, dos que apenas distribuem peixe quando o que deveriam fazer é ensinar a pescar. Mais do que isso... Ensinar a construir as canas e a pescar. É que a conjuntura económica em que vivemos não nos permite a distribuição desregrada de peixe.
E sim, concordo que para o ano temos mais do mesmo.
Ora aqui está um texto muito bem conseguido, que dá vontade de ler e se fica com pena de ter acabado. Muitos Parabéns!
Ontem fiquei um pouco desapontada quando comecei a ler o texto do debate e me deparei com um Sócrates que nada tem a ver com o Grande Sócrates. Já me imaginava a ler algo interessante sobre o Grande Filósofo quando me deparei com o resumo "daquela coisa" que foi transmitida na Tv. Mas em contrapartida hoje estiveste muito bem em nos presentear com este maravilhoso texto.
Continua assim sério ou assim a brincar!
Parabéns!
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